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Receitas para fragilizar os tribunais superiores: o rio e as margens!

Há vários modos para fazer tempestades perfeitas para desgastar e ou desmoralizar as instituições jurídicas, especialmente os tribunais superiores.

Vejamos. Os tribunais superiores são criticados fortemente toda vez que, de forma garantidora, concedem Habeas Corpus e remédios desse jaez (por exemplo, reclamação para assegurar o cumprimento de julgados das cortes).

O que não é dito? O escondido é que, toda vez que o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça tem de conceder remédios constitucionais, é porque alguém errou. Parece óbvio, pois não? Os tribunais não colocam outdoors dizendo: “concedemos Habeas Corpus. Liquidação. Aproveitem. Promoção”. Ou algo assim.

É como, por exemplo, um Habeas Corpus “tipo coletivo” ter de ser concedido para salvaguardar mães que estão presas e em perigo. E as críticas aos tribunais vêm pesadas. As redes sociais esculhambam com o STJ e STF. Quando soltaram fogos contra o STF, Rosane, minha esposa, disse: “ – o STF deve ter feito algum acerto para causar essa raiva toda...”!

Gente presa há um tempão por furto de sabonetes ou quejandos… E o Supremo Tribunal tem de intervir. Em troca, o “pau come”. “ – Vejam, o STF não tem o que fazer? Onde se viu ter de conceder Habeas para esse tipo de coisa”. Outros já propõem o fechamento da corte. E quando o remédio é para alguém do andar de cima? Aí as críticas triplicam. Direito se transforma em juízos morais. E já emendam: “a Constituição tem direitos demais…”. Até gente do Direito diz esse tipo de estultice.

Mas, será que, em vez de criticarmos o rio que desgasta as margens, não deveríamos criticar as margens que oprimem esse rio? Por qual razão casos mal decididos, malconduzidos, casos de desrespeito aos direitos mais comezinhos chegam aos tribunais? Simples: Chegam porque houve problemas no meio do caminho. Ou na arrancada. Uma prisão mal fundamentada na origem pode provocar um habeas no STF. Ou no STJ. Quando concedido o remédio, o bom vira ruim. A crítica não vai para quem errou na base. A crítica vai para quem corrige o erro.

Vejam o caso do power point do Dallagnol. No que deu? Foi uma “tosa de porco”, como se diz  na minha terra: muito grito e alarido e pouquíssima ou nenhuma lã. Aliás, quanto maior a mesa de entrevistas em caso de prisões espetaculares, maior a possibilidade de “pouca lã”.

Digo isso para falar do caso da prisão do (ainda) prefeito Crivella. Se ele deve ser preso? Talvez. Mas, antes de tudo: não existem cautelares previstas no artigo 319 do CPP? Pior: poucos dias antes de Crivela perder a prerrogativa de foro, foi lhe decretada a prisão. Ou seja, demorasse um pouco e a audiência de custodia seria feita já pelo juiz de primeiro grau, se me permitem o exagero.

Ou seja: em algumas horas o Superior Tribunal de Justiça concedeu Habeas Corpus. E logo começou a “pauleira” contra o tribunal. E contra o ministro. Jornalistas e jornaleiros se transformam, nessas ocasiões, em snipers da intriga. As Eríneas, das Eumênidas, fixam residência nas neocavernas das redes.

Para ser mais direito e simples: a crítica que fazem é contra o rio. E esquecem das margens. No caso de Crivella, não era óbvio que a prisão no mínimo seria transformada em medidas cautelares? Não há jurisprudência firmada no STJ e STF? Além disso, o prefeito tem mais de 60 anos. E há a resolução do CNJ. Mais: o uso da teoria do domínio do fato não tem o condão de servir como fundamento do periculum libertatis. Não é para isso que serve. Compreendem?

Então, se era evidente, por que o espetáculo? Ah, mas ele merece. Bom, isso é juízo moral. Não tem nada a ver com argumento jurídico. Por isso, insisto em um grau indispensável de ortodoxia processual. Para todos os indiciados e réus. Todos. Mesmos para aqueles que você não gosta.

Assim se desgasta a justiça. Assim se põe a culpa nos tribunais superiores. Uma tempestade perfeita para os snipers da intriga. Para quem faz Contempt of Court.

Precisamos, urgentemente, falar sobre a espetacularização da justiça, das prisões e da não observância da jurisprudência do STF e STJ. Só se concede Habeas e remédios constitucionais se alguém falhou. Críticas? Devem ser dirigidas ao alvo certo.

Feliz Natal! Sem aglomerações. E usemos máscaras.

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Motorista é responsável por manter dados atualizados no Detran

O motorista é responsável por manter seus dados cadastrais atualizados no órgão de trânsito. Com esse entendimento, a 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo negou mandado de segurança impetrado por um motorista para anular o bloqueio de sua CNH e a penalidade de cassação do direito de dirigir.

ReproduçãoMotorista é responsável por manter dados atualizados no Detran, diz TJ-SP

O motorista afirma não ter recebido a notificação do Detran em seu endereço e sustentou que cabia ao órgão de trânsito comprovar que efetivamente o notificou da instauração do procedimento administrativo para cassação do direito de dirigir. O argumento foi afastado pela turma julgadora, em votação unânime. 

“No entanto, ao contrário do que alega, para confirmar sua versão e desconstituir a presunção legal de validade da notificação, era necessária prova pré-constituída robusta ou dilação probatória, cujo exercício a estreita via do mandado de segurança não comporta”, afirmou o relator, desembargador Sidney Romano dos Reis.

O magistrado também observou que a notificação do Detran foi enviada ao endereço cadastrado pelo motorista: “Cabe ao condutor manter atualizado o cadastro concernente à sua CNH”.

Caso semelhante

Em outro julgamento, a 12ª Câmara de Direito Público do TJ-SP também negou mandado de segurança impetrado por um motorista que alega não ter sido notificado da instauração do processo de cassação do direito de dirigir. Neste caso, o autor também alegou cerceamento de defesa e ausência do contraditório. 

Conforme o relator, desembargador Ribeiro de Paula, o Detran juntou cópia do processo administrativo, em que demonstra o envio de notificações e das decisões proferidas no curso do procedimento. Nos documentos, consta a data da emissão e da postagem, e segundo o magistrado, o que “se reputa verdadeiro por presunção de legitimidade dos atos administrativos”.

“Em matéria de trânsito a burocracia funciona, e bem, sem ofensa à lei, que dispensa prova de recebimento da notificação; até a comunicação de alteração de endereço é obrigatória, se o autuado que não receber a intimação porque mudou de endereço sem comunicar, será considerado intimado para todos os efeitos legais, conforme dispõe o artigo 282, § 1º, do CTB”, completou o relator.

Assim, cumprido o devido processo legal e ausente direito líquido e certo do impetrante, o TJ-SP negou provimento ao recurso do motorista e confirmou a sentença denegatória da ordem. A decisão foi unânime.

1009910-74.2020.8.26.0053

1018833-89.2020.8.26.0053

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Gaspari: História do Direito Constitucional brasileiro: como narrar?

Os manuais tradicionais de Direito Constitucional no Brasil valem-se, comum e irrefletidamente, de recortes metodológicos baseados exclusivamente nas constituições brasileiras para contar a nossa história constitucional. Não é incomum que teses e dissertações acadêmicas no mundo jurídico também assumam esse formato. Muitas vezes, os autores e autoras concentram-se apenas na análise superficial de nossas constituições, de seus textos e temas.

Esse modo de contar a história do Direito Constitucional brasileiro pode até ser o mais fácil e intuitivo, mas acredito que não seja o mais interessante. Definitivamente, essa não deve ser a única forma de contar a nossa história constitucional.

É claro que constituições são importantes para o Direito Constitucional (quero causar um estranhamento com essa afirmação). Mas outros elementos, tais como a forma que esses diplomas são interpretados por cortes e outros órgãos de controle, a existência de formas inusuais de alteração de uma ordem constitucional, práticas forenses e relações interpessoais muitas vezes agregam informações preciosas à narrativa da história constitucional de um país. Cumpre, no mínimo, considerar esses fatores conjuntamente em trabalhos futuros que tenham em vista o relato de nossa história constitucional.

Não podemos esquecer que o STF, apesar das interferências sofridas ao longo de sua história, permaneceu na narrativa do Direito Constitucional brasileiro como um de seus protagonistas. Além disso, o STF permaneceu sem grandes rupturas institucionais. Embora o Brasil tenha sido palco de vários golpes, na história republicana o STF jamais sofreu uma ruptura completa. O STF sofreu interferências de regimes autoritários, como em 1931 (aposentadoria compulsória de ministros e “reforma da Justiça”), mas nunca foi dissolvido.

Vale observar, além disso, que o STF era muito mais importante em nosso passado constitucional do que algumas pessoas costumam supor. É claro que a visibilidade da corte precisa ser vista em perspectiva — hoje a informatização e a difusão de dados sobre a corte é avassaladora. Mas a sua interpretação histórica do Direito Constitucional brasileiro, por si só, é uma narrativa da nossa história do Direito Constitucional e precisa ser levada a sério.

Em sua história, no Brasil, ainda que de forma inconsciente, a forma de interpretar o Direito público sempre foi muito mais caleidoscópica do que imaginamos: as mesmas pedras, reposicionadas, acabaram constituindo novas imagens constitucionais. Mas, em essência, mudados alguns pequenos elementos, acabam sendo as mesmas pedras. Essa construção do Direito Constitucional brasileiro acaba sendo delineada por uma narrativa feita pelo STF, mais do que pelas constituições.

Logo, necessário seria compreender os períodos do STF — como corte que constrói narrativas constitucionais — do que apenas olhar para as nossas constituições. Talvez uma periodização das interpretações do STF possa auxiliar na compreensão do nosso Direito Constitucional. Considerar outras instituições, como o Tribunal de Contas e suas interpretações constitucionais pode ser igualmente interessante.

Ao longo do século XX, o STF, por meio de seu processo decisório, foi responsável pela comunicação da legislação entre diversos períodos constitucionais brasileiros.

Na história constitucional brasileira — ao menos na história autoritária do Direito Constitucional brasileiro — decretos e atos carregam uma importância constitucional fundamental (ainda que muitas vezes nefasta). Vejamos um exemplo. O Decreto nº 19.398, expressão jurídica do golpe de 1930, de instituição do Governo Provisório, é praticamente ignorado pelos constitucionalistas. E, ao lado de uma série de decretos do Governo Provisório, é praticamente uma constituição no sentido de sua abrangência constitucional. Entre 1930 e 1934, o Poder Judiciário continuou a aplicar a Constituição de 1891, condicionando-a às sombras desse decreto. Mas esse decreto tem um valor constitucional importante, talvez (inclusive) pelo fato de contradizer tantos valores do constitucionalismo liberal. Mas, por isso, não seria ele mesmo uma expressão de nossa narrativa constitucional? Seu antagonismo não deveria ser levado a sério? Quando citado, por que o caráter secundário a ele atribuído nos livros de Direito Constitucional?

A prática forense também abre um mundo para a narrativa do Direito Constitucional brasileiro. Mais um exemplo pode ser elucidativo. A Constituição de 1934 previu o instituto constitucional do mandado de segurança. Em sua reação autoritária, a Constituição de 1937 não manteve o instituto. Leitura simplista nos levaria a crer que, sob a Constituição de 1937, o instituto do mandado de segurança não teria tido uma história. Pesquisa ao arquivo do STF, não obstante, indica que, entre 1937 e 1946, mandados de segurança foram impetrados no STF — independentemente dos resultados dos pleitos, isso sugere fortemente que, quando se trata do mandado de segurança, não é possível negligenciar a existência de uma narrativa constitucional baseada nas práticas forenses.

Narrativas pessoais também importam. É o Direito Constitucional das coxias, feito não apenas nos bastidores da cena constitucional, mas calcado em relações entre agentes públicos, culturas individuais e interesses pessoais. Muitas vezes essa dimensão é negligenciada pelos acadêmicos, pois é realmente difícil estabelecer as relações precisas entre os mundos pessoais das personalidades públicas e suas atitudes no mundo efetivamente público. Mas isso não significa que essas informações sejam irrelevantes ou que não seja possível propor um método capaz de inserir esses elementos em uma narrativa mais ampla sobre Direito Constitucional. Conhecemos algumas das complexidades envolvendo o STF na Era Vargas se dermos atenção, por exemplo, aos diários de Getúlio Vargas e às cartas trocadas entre ele e os ministros da Corte. Conhecemos das trajetórias dos ministros do STF se tivermos acesso, quando houver, aos seus arquivos pessoais.

Enfim, qual a melhor forma de contar a história do Direito Constitucional brasileiro? Possivelmente, uma abordagem que inclua seriamente o STF nessa narrativa, questões forenses e atuações de bastidores pode nos oferecer um retrato bastante rico do nosso passado constitucional. Somado a esses fatores, a compreensão das nossas constituições pode ser mais acurada. Em matéria de história do Direito Constitucional brasileiro, para usar — com licença poética — de uma expressão de François Dosse (“O Império do Sentido”), há vários “mundos disponíveis” que precisam ser explorados.

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Jorge Leite: O décimo terceiro, as férias e o ano de 2020

A chegada dos meses de novembro e dezembro traz a esperança de que 2021 transforme o atual ano apenas em uma recordação de um período desafiador.

No âmbito do Direito do Trabalho, houve a edição de inúmeras normas que compõem o que opto por chamar de “Direito do Trabalho de Emergência” ou “Direito do Trabalho Agônico”.

Direito de emergência pela profusão de novas normas que surgiram sem tempo para maiores reflexões e debates em franca tentativa de regular situação inédita e trazer margem e flexibilidade para empregadores e empregados em que a posição binária clássica da inalterabilidade lesiva dos contratos e da simples ruptura potestativa patronal do vínculo empregatício não se mostra como solução adequada.

Agônico por permitir flexibilização intensa e diminuição das salvaguardas típicas da relação assimétrica que ocorre entre o trabalhador e seu contratante, sendo esgarçamento do princípio da proteção tão caro a este ramo.

As inúmeras medidas provisórias, leis em conversão e decretos impõem ao estudioso esforço, sobretudo em direito intertemporal. Há MPs caducas, leis que as chancelaram com alterações, novas MPs que complementaram MPs anteriores, decretos e portarias. Verdadeiro cipoal jurídico.

Talvez justamente pela velocidade que foi demandada do legislador ante a implacabilidade da pandemia, ou ainda justamente pela falta de um maior consenso do Congresso, inúmeros pontos não foram abordados expressamente, fato que fatalmente transfere ao jurista o dever de extrair a solução e cuja última palavra será dada pelo Poder Judiciário quando as partes envolvidas não chegarem a um consenso.

Assim, as críticas quanto à segurança jurídica devem ser transferidas não ao intérprete, mas àquele que optou por redigir a norma de forma incompleta ou propositadamente ambígua.

Contextualizado o ambiente em que gestadas, chega-se ao tema deste artigo.

Suspensão do contrato de trabalho é a situação jurídica em há uma pausa nos efeitos principais. O trabalhador não presta serviços. O empregador não paga salários, o tempo de serviço não é computado, sendo indevidas contraprestações. O vínculo, no entanto, permanece hígido.

Ocorre que a MP 936, convertida na Lei 14.020/2020, optou por uma suspensão “incompleta”. Menciona que o empregado “fará jus a todos os benefícios concedidos pelo empregador aos seus empregados”.

Há também a questão da ajuda compensatória mensal, no qual a empresa poderá arcar com alguma diferença de valor a título indenizatório entre o benefício emergencial e o salário usualmente pago, sendo compulsória em ao menos 30% para as com receita bruta superior a R$ 4,8 milhões no ano-calendário de 2019.

No entanto, é bem razoável inferir que a opção do legislador foi para preservar, sobretudo, os planos de saúde atrelados ao contrato de trabalho — fato que faz todo sentido diante do cenário pandêmico.

Dessa forma, nos meses em que não houve trabalho por conta da suspensão, os “avos” do 13º salário devem levar em conta este período? E quanto ao período aquisitivo das férias? Há mudanças na base de cálculo? Por fim, quando se tratar de redução de jornada e salário, qual a consequência?

Existem as seguintes interpretações possíveis:

1) Suspensão – Férias:

— 
Corrente 1: paralisa a contagem do período aquisitivo;

— 
Corrente 2: não paralisa.

2) Suspensão – 13º Salário:

— 
Corrente 1: interfere no cálculo dos “12/12 avos”;

— 
Corrente 2: não interfere.

3) Redução – Férias:

— 
Corrente 1: não interfere na base de cálculo, sendo devido o valor da remuneração ordinária;

— 
Corrente 2: interfere na base, devendo ser feita a média dos últimos 12 meses.

4) Redução – 13º salário:

— 
Corrente 1: não interfere, sendo a base de cálculo a remuneração ordinária;

— 
Corrente 2: interfere, devendo ser considerada a média remuneratória do ano até o mês de novembro, sendo o ajuste do mês de dezembro pago até 10 de janeiro;

— 
Corrente 3: interfere, devendo ser considerada a remuneração de dezembro, exclusivamente.

O Poder Executivo, através do Ministério da Economia, editou a Nota Técnica 51520/2020/ME [1] disciplinando a interpretação oficial que balizará as fiscalizações do trabalho conforme dispôs a Nota Técnica SEI 53797/2020/ME [2]. Pela NT temos:

1) Suspensão Contratual:

— 
13º Salário – São desprezados do cálculo os meses com menos de 15 dias de trabalho;

— 
Férias – O período de suspensão não deve ser computado como integrante do período aquisitivo.

2) Redução de Jornada e Salário:

— 
13º Salário – A base de cálculo é o salário cheio, isto é, não deve levar em conta o valor salarial reduzido em virtude da menor jornada;

— 
Férias – a redução não influencia no valor, devendo ser levado em conta o salário regular.

Destaco que o Poder Legislativo não delegou ao Executivo a normatização do tema via decreto. A única delegação no aspecto se deu quanto a prorrogação do prazo do estado de calamidade pública, conforme artigo 8º da Lei 14.020/2020 (Lei de conversão da MP 936/2020).

Já o Ministério Público do Trabalho emitiu uma “Diretriz Orientativa” [3] no qual defende que se a norma é dúbia, prevalece a interpretação favorável ao trabalhador, de modo que os valores do 13º salário e das férias devem ser integralmente pagos, computando-se ainda o lapso de suspensão como período aquisitivo.

As posições convergem no que toca aos períodos de redução e são antagônicas nos de suspensão.

A Lei 4.090/62 que versa sobre o décimo terceiro salário dispõe que a gratificação corresponderá a 1/12 avos da remuneração devida em dezembro, por mês de serviço, do ano correspondente, sendo que a fração igual ou superior a 15 dias de trabalho será havida como mês integral.

Nesse sentido, ainda que se coloque que a “suspensão” nos moldes adotados pelo legislador não seja “completa”, no que toca ao 13º salário a sua lei específica é expressa ao prever a necessidade de que haja “serviço”, ou seja “efetivo trabalho”. Assim, o período sem labor não deve ser computado.

Supondo que um determinado empregado com vínculo ativo entre 1/1/2020 e 31/12/2020, salário de R$ 2 mil e que teve 60 dias de suspensão nos meses de maio e junho, a consequência é que seu 13º salário não será de R$ 2 mil (12/12 avos), mas sim de R$ 1.667,00 (10/12 avos).

No que se refere às férias, e ao contrário do 13º salário, não há nenhum dispositivo legal que dê lastro a sua exclusão do período aquisitivo.

Veja que o artigo 130 da CLT é específico ao constar que após cada período de um mês de vigência (e não de serviço) do contrato de trabalho, o empregado terá direito a férias. O artigo 131 consolidado por sua vez é categórico e traz que não será considerada falta ao serviço, para os efeitos do artigo 130, a ausência do empregado nos dias em que não tenha havido serviço, salvo na hipótese do inciso III do artigo 133.

Destaco que a ressalva do inciso III do artigo 133 não socorre aos que defendem a paralização do período aquisitivo, pois carece da percepção do salário por mais de 30 dias para a subsunção legal se aplicar. Assim, por ausência de previsão legal, há que se entender pela fluência do período aquisitivo durante o lapso de suspensão contratual.

Quanto aos períodos de redução da jornada e salário, a tese da literalidade da Lei 4.090/62 de que deve ser considerada exclusivamente a remuneração do mês de dezembro para o décimo terceiro cede rapidamente ao rememorarmos o inciso VIII do artigo 7º da Constituição Federal que fala: “décimo terceiro salário com base na remuneração integral“. Pelo mesmo fundamento não tem lastro a tentativa de se utilizar a média anual considerando o período com redução de jornada/salário.

A respeito da base de cálculo das férias, o artigo 142 da CLT dispõe que o empregado perceberá a remuneração que lhe for devida na data da sua concessão, sendo que a CF no seu inciso XVII do artigo 7º dispõe: “gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal. Assim, a base é o salário normal, e não aquele com a pontual redução pela situação atípica.

Como se percebe o legislador ao não abordar as formas de pagamento explicitamente nesse contexto atípico foi infeliz.

Abriu-se flanco para diversas possíveis interpretações. Em que pese a Nota Técnica do Ministério da Economia e da Diretriz Orientativa do Ministério Público do Trabalho, cujos conteúdos são balizadores, mas não vinculativos, sustento que na hipótese de suspensão do contrato de trabalho o período aquisitivo das férias fluí normalmente, sendo que para fins de 13º salário não são contados os meses com menos de 15 dias de efetivo trabalho. Por fim, na hipótese de redução de jornada e salário, permanece como base de cálculo o salário integral, em nada influindo este interstício, seja nas férias, seja no 13º salário.

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Opinião: A justiça penal consensual afronta o estado democrático?

Sem dúvida alguma o Direito Penal e Processual Consensual é um dos temas que mais despertam atenção e, de fato, controvérsia em nosso sistema judicial. Anteriormente a referida discussão acabava um pouco limitada ao universo jurídico anglo-saxônico, mas atualmente podemos perceber que está amplamente presente nos países de tradição jurídica europeia continental — por meio de influência americana a partir da década de 90 —, em que foi incorporada e expandida por instrumentos de consenso em seus ordenamentos jurídico-penais.

A Justiça Penal consensual vem ganhando cada vez mais espaço no ordenamento jurídico brasileiro devido à celeridade do trâmite processual que seu sistema proporciona e também pela consequente diminuição dos processos no Judiciário que sua aplicação provoca. Percebe-se que os institutos despenalizadores têm sido os grandes protagonistas da referida expansão.

Os instrumentos amplamente conhecidos na comunidade jurídica, como a transação penal, a suspensão condicional do processo e a colaboração premiada agora se juntam também ao acordo de não persecução penal, novidade prevista por meio do pacote anticrime. Ou seja, possuímos atualmente instrumentos despenalizadores da Justiça Penal consensual para todos os tipos de gravidades de crimes, sejam eles de gravidade leve, média ou grave.

Com a expansão da Justiça Penal negociada, ficou evidente a necessidade de estudarmos o Direito Penal sob uma ótica totalmente diferente, pois constata-se ser um modelo totalmente alternativo ao Direito Penal Tradicional que estamos acostumados a ler, ouvir e praticar. O consenso no Direito Penal já é uma realidade e necessitamos nos adaptar e estudá-lo, já que está carimbado como forte tendência para conquistar cada vez mais espaço no mundo jurídico.

Pode-se observar que os instrumentos consensuais por países de tradição romano-germânica, no tocante à pequena e média criminalidade, foi observada como um grande meio para que as pessoas pudessem novamente depositar sua esperança, confiança e também credibilidade no sistema de justiça criminal. Ou seja, vem ganhando espaço o argumento de que necessitamos diversificar os mecanismos que possuímos e são usados como resposta penal por meio de procedimentos que possam ser abreviados e reduzidos. Ou seja, pela via consensual.

Nesse sentido, muito se tem discutido se a Justiça Penal negociada relativiza os direitos fundamentais e os princípios basilares do processo penal ao ponto de afrontar o estado democrático de direito, tendo em vista que é evidente que, com a adoção do referido sistema, há necessidade de relativizarmos alguns direitos e garantias previstos no ordenamento jurídico, em detrimento da aplicação do consenso no processo penal.

Dito isso, é importante frisar aqui o conceito de renúncia do direito fundamental, que nada mais é do que o titular do referido direito, de forma expressa, renunciando determinadas previsões pretéritas garantidas pelo próprio direito fundamental em um determinado espaço de tempo, inclusive podendo ser revogável, tendo em vista qualquer motivo ao caso concreto proporcional e legítimo.

Na mesma ordem de ideias, Pedro Augustin Adamy assim conceitua a renúncia a direito fundamental como [1] a renúncia ao direito fundamental em uma situação definida em lei, em que o titular do direito fundamental, expressamente, renuncia a determinadas posições ou pretensões jurídicas garantidas pelo direito fundamental, ou consente que o Poder Público restrinja ou interfira mais intensamente, por um determinado espaço de tempo e a qualquer momento revogável, tendo em vista um benefício proporcional e legítimo, direto ou indireto, pessoal ou coletivo.

No mesmo sentido, só que com nomenclatura diversa, Jorge Miranda, por sua vez, não usa a referida expressão (renúncia), pois prefere falar em auto-restrição e auto-suspensão de direitos fundamentais, relatando que [2] ninguém pode, por qualquer forma, ceder ou abdicar da sua titularidade. Mas isso não significa que o seu exercício seja obrigatório, nem que, em certas circunstâncias e para fins também constitucionalmente relevantes ou, pelo menos, não contrários aos princípios do Estado de Direito Democrático, os seus titulares não possam ou não devam aceitar a sua restrição; ou que não possam, por sua vontade, suspender o exercício de alguns desses direitos.

Em continuidade, na mesma obra, Miranda ainda enumera os requisitos da auto-suspensão: [2] 1) sejam livremente decididas ou consentidas (e nisto se distinguindo das intervenções restritivas); 2) se encontrem reguladas por lei, quando envolvem algum poder conexo da Administração; 3) sejam limitadas no tempo; 4) sejam livremente revogáveis (pressupondo que, pela natureza das coisas, o possam ser). (…) É ainda no princípio geral de liberdade que se vêm ancorar — o mesmo princípio presente em qualquer manifestação negativa de exercício de certos direitos, como, por exemplo, não exercer direito de resposta (artigo 37, nº 4), não invocar objeção de consciência (artigo 41, nº 6), não participar numa reunião (artigo 45), não aderir a um partido político (artigo 51) ou a uma associação sindical (artigo 58) ou não impugnar um ato administrativo (artigo 268).

Dessa forma, fica mais fácil observarmos e, consequentemente, percebermos que a vida, liberdade e intimidade não possuem valores absolutos e devem ser harmonizados com outros direitos e garantias fundamentais na análise de cada caso concreto. Ou seja, seu peso e harmonia não se presume de forma genérica, sendo que caso haja uma análise nesse sentido, esta seria precoce e equivocada, não podendo ser diferente quando falamos sobre justiça penal consensual.


Referências bibliográficas

[1] ADAMY, Pedro Augustin. Renúncia a direito fundamental. Malheiros Editores, 2011. p. 43-45

[2] MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional – Direitos Fundamentais – Tomo IV. 5a edição. Coimbra Editora. 2014. p. 426

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Partido leva a Fux pedido para suspender liminar de Nunes Marques

É grave que haja suspensão monocrática de texto de lei. Atenta frontalmente não só contra a regra da colegialidade, como também ao princípio da segurança jurídica. É o que sustenta o Partido Cidadania em pedido de suspensão de liminar ajuizado no Supremo Tribunal Federal nesta terça-feira (22/12). Esse meio de impugnação é de competência do presidente da Corte, ministro Luiz Fux.

Fux disse que pedido de suspensão de liminar seria de sua competência para julgamento; com razoabilidade.

Nelson Jr./SCO/STF

A legenda quer afastar a decisão do ministro Nunes Marques, que suspendeu trecho da Lei da Ficha Limpa que permite inelegibilidade indeterminada. Contra a decisão, a Procuradoria-Geral da República já havia entrado com recurso na segunda-feira, alegando que a liminar criou dois regimes jurídicos diferentes em uma mesma eleição. Conforme o andamento processual da ação no STF, Fux já determinou o encaminhamento dos autos para o gabinete de Nunes Marques.

Mais cedo, Fux defendeu que o ministro agiu dentro da sua independência e decidiu não cassar a liminar. No entanto, o ministro afirmou que, se fosse apresentado à presidência um pedido de suspensão de liminar, a competência para julgar seria dele.

Em entrevista à TV Justiça nesta quarta-feira (23/12), o presidente do STF explicou que, como Nunes Marques proferiu liminar, apenas ele pode julgar o recurso. “Eu não poderia cassar a decisão dele porque tem recursos que entraram e o recurso é dirigido ao relator”, disse.

Na mesma linha do que afirma a PGR, o partido lembra na peça que a corte tem entendimento consolidado de que a eficácia de uma virada jurisprudencial, em matéria eleitoral, deve obedecer ao princípio da anualidade eleitoral. Não é prudente sua aplicação a eleição em andamento, sustenta.

O Cidadania afirma que, ao contrário do que disse Nunes Marques, “não há idiossincrasias na hipótese sob apreço, mas sim nova tentativa de esvaziamento da Lei da Ficha Limpa”. “Tal esvaziamento atenta contra os princípios republicanos que foram aplicados em um inédito empenho visando a efetivação da proteção à probidade e à moralidade administrativa no exercício das funções públicas”, diz a legenda.

Além disso, o partido reafirma que o STF já julgou em Plenário e com caráter vinculante o cumprimento de inelegibilidade inserido na expressão “após o cumprimento da pena”, agora declarada inconstitucional por Nunes Marques.

SL 1.416