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Coordenador da “greenfield” diz que não pretende encerrar “operação”

O procurador Celso Tres, coordenador da apelidada “greenfield”, que investiga desvios em fundos de pensão, disse que nunca propôs o fim da “operação”. O suposto encerramento passou a ser ventilado na imprensa depois que Tres enviou um ofício à cúpula do Ministério Público Federal criticando o acúmulo de processos na “greenfield” e propondo soluções.

Tres confronta a teatralização de colegas que, em vez de buscar Justiça, procuram protagonismo na mídia e exposição. Não é tarefa fácil. A comédia de pastelão surte mais resultado que o fundamento jurídico — fora de moda neste momento.

Celso Tres antagoniza com seu colega Anselmo Lopes, autor de algumas das mais tristes páginas escritas na história do Ministério Público Federal brasileiro. Difícil encontrar quem mais se esmerou em produzir falsidades no recente histórico da justiça brasileira.

No documento, Tres critica grande número de processos que não têm relação com desvios em fundos de pensão

Antônio Carreta/TJSP

“Nego veementemente o sentido que está sendo atribuído. Fiz clara ironia. Melhor que não tivesse feito. O objetivo é, ao contrário do que está sendo dito, viabilizar o trabalho da operação”, disse à ConJur

No ofício, divulgado em primeira mão pela ConJur na última sexta-feira (18/12), Tres afirma que, embora a “greenfield” tenha sido concebida para investigar desvios nos fundos de pensão, boa parte do acervo trata de outros temas. Por causa do esvaziamento da operação (apenas sete pessoas fazem parte da força-tarefa, com o coordenador incluído), o grande número de feitos sobre outros assuntos estaria inviabilizando os trabalhos. 

À ConJur ele exemplificou a situação do acervo: disse que aproximadamente 30% das ações ajuizadas guardam relação com os fundos de pensão. Os 70% restantes tratam de temas que, ainda que relevantes, são diversos dos objetivos da “operação”. 

No próprio ofício ele nega que esteja querendo encerrar a “greenfield”. Ninguém reconhecerá “nossa atuação sobre todas estas adversidades”. “Pior. Ainda dirão que fomos designados para liquidar com a investigação. Aliás, não dirão, já o fazem, inclusive na voz de alguns festejados, onipresentes em FTs [“forças-tarefas”], que atuaram na “greenfield” e agora não se apresentam para levá-la adiante”, diz.

Em outro trecho, ele afirma que não assumiu a coordenação “para trabalhar muito”. À ConJur, Tres disse que a frase apenas ironiza o fato de que a “greenfield” inchou tanto no decorrer dos anos que se tornou inviável mantê-la com o número de processos que tem atualmente. 

Celso Tres assumiu a coordenação da “greenfield” em novembro deste ano, depois que Anselmo Lopes deixou o posto. Ele foi o único a manifestar interesse em chefiar a operação.

O que diz o ofício

No documento encaminhado à cúpula do MPF, o coordenador narra que atualmente poucas pessoas trabalham na operação e que o baixo número de membros e a grande quantidade de processos está impossibilitando o andamento dos casos. 

“Fosse eu o exmo. PGR Aras simplesmente teria dissolvido a FT [força-tarefa], determinando a distribuição total entre os membros(a) da PR-DF [Procuradoria da República do Distrito Federal], sujeitando o procurador natural e chefia da PR-DF à Corregedoria em razão do abandono”. 

A medida, diz, deveria ocorrer porque, no caso da greenfield, a “criatura engoliu o criador”. “Mercê das melhores intenções, ampliou-se em demasia o objeto. Hoje, uma das razões da rejeição da PR-DF é, precisamente, o fato de que não eram atribuição originária, sendo indevidamente assumidas pela “greenfield”. Pior dos mundos: trabalho hercúleo e magnífico agora sendo tocado a contragosto pelos membros(a) da PR-DF. Hoje, caso ajuizemos qualquer ação (penal, improbidade) seremos apedrejados por quem caiba levá-las adiante.”

O procurador sugere três soluções para resolver o problema. “A primeira providência é cirurgia radical, retirando, declinando à PR-DF, tudo que não seja lesão direta e imediata aos fundos de pensão (Funcef, Petros, Previ, Serpro)”, diz. 

A segunda providência é criar uma “linha de produção” de acordos de não persecução penal/improbidade (ANPP-I). Por fim, afirma que todas as investigações, incluindo as de improbidade, deveriam ser enviada à Polícia Federal. 

Os acordos de não persecução teriam “como foco central a reparação do dano aos fundos (repondo prejuízo dos investimentos temerários e ruinosos), complementado por prestação pecuniária assistencial (entidades hoje barbaramente necessitadas, diga-se, as sérias, tradicionais, longevas, de práticas concretas, nunca as ‘greenfield’, apenas papel e propaganda) e prestação de serviços à comunidade”. 

“Urge tirar os fundos da zona de conforto. Não basta colaborar com a investigação. Isto é o básico. Quem não contribuir, além da responsabilização respectiva, deve ser objeto de nota pública do MPF aos aposentados e pensionistas, apontando a defecção”, prossegue.

Clique aqui para ler o ofício

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Opinião: Decreto aumenta ilegalmente tributos de máquinas agrícolas

O projeto de Lei 529/20, que tramitou na Alesp, o qual tratou de medidas voltadas ao ajuste fiscal e ao equilíbrio das contas públicas no estado, foi sempre objeto de discussões acerca da sua duvidosa constitucionalidade/legalidade.

Apresentado pelo Executivo em agosto de 2020, teve como base estudos da Secretaria de Projetos, Orçamento e Gestão e tramitou em caráter de urgência. No estudos da Sefaz constava que era “necessário fazer uma redução dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS”, bem como que “a proposta equipara a benefício fiscal, por ter o mesmo efeito, a fixação de alíquota em patamar inferior a 18% (dezoito por cento)”, e por fim, menciona “que o Convênio ICMS 42/2016 autoriza os estados e o Distrito Federal a criar condição para a fruição de incentivos e benefícios no âmbito do ICMS ou reduzir o seu montante”.

E assim nasceu o ajuste fiscal que culminou com a conversão na Lei Estadual 17.293/20. Porém, muito mais que o enfrentamento jurídico da lei que autoriza o governador a renovar os benefícios fiscais; reduzir os benefícios fiscais na forma do Convênio nº 42/2016, do Confaz, e equipara benefício fiscal a alíquota em patamar inferior a 18%, temos que analisar os decretos estaduais que vieram e avaliar se estão ou não com vício de legalidade.

É evidente que caberá a cada setor avaliar a situação que se enquadra em termos de benefícios fiscais do Confaz, se estão diante de convênios autorizativos ou impositivos.

A regra constitucional determina que competirá à lei complementar “regular a forma como, mediante deliberação dos estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos fiscais e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”. E essa Lei Complementar é a nº 24/75. Os convênios são celebrados em reuniões no âmbito do Confaz e a concessão de benefícios fiscais depende da deliberação unânime dos estados, e sua revogação total ou parcial dependerá do voto favorável de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes.

Outro ponto diz respeito à natureza dos convênios, se impositivos ou autorizativos. Os convênios impositivos são aqueles que possuem normas de caráter imperativo, claro que tomadas em reunião Confaz e que obrigam a todas as unidades da federação, nos termos da LC 24/75. São internalizados por ato do Executivo não podendo tais entes modificar ou suprimir no todo ou parte, pois dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes no Confaz e não por meio de decreto do chefe do poder executivo estadual ou do distrito federal.

O Convênio Confaz ICMS 52/91 concede redução da base de cálculo nas operações com máquinas e equipamentos industriais e máquinas e implementos agrícolas e determina de forma impositiva a redução de base de cálculo nas operações interestaduais. O Convênio Confaz ICMS nº 100/97, concede redução da base de cálculo nas saídas interestaduais de insumos agropecuários.

Esses convênios são importantes para a indústria compradora desses bens de capital, inclusive a agroindústria como forma de incentivar a cadeia produtiva como um todo situada em vários estados. O Decreto Estadual 65.254/20 dá nova redação aos artigos 9º, 10 e 12 do Anexo II do RICMS/SP, em assim o fazendo, revoga parcialmente benefícios fiscais que foram concedidos no âmbito do Confaz (Convênios ICMS 52/91 e 100/97), ambos relacionados com a redução de base de cálculo de operações interestaduais e aumenta a carga tributária nessas situações, por isso passíveis de questionamento, eis que em descompasso com a própria Lei Estadual 17.293/20.

Ao aumentar, de forma ilegal, a carga tributária nas operações interestaduais, o Governo do Estado de São Paulo prejudica diretamente as indústrias fabricantes de máquinas, equipamentos e implementos industriais ou agrícolas, bem como os fabricantes de insumos agropecuários uma vez que retira a sua competitividade em relação às indústrias estabelecidas em outros Estados.

Acreditamos que esta não tenha sido a intenção do governador.

O Convênio ICMS 42/16, que serve de lastro para a Lei Estadual 17.293/20, apenas autoriza os estados e o Distrito Federal a criar condição para a fruição de incentivos e benefícios no âmbito do ICMS ou reduzir o seu montante em operações internas, jamais em operações interestaduais. Tanto isso é verdade que a própria lei estadual no seu artigo 22, parágrafo 1º, afirma que para todos os efeitos, equipara-se a benefício fiscal a alíquota fixada em patamar inferior a 18%, ou seja, são operações internas!

Assim, a Lei Estadual 17.293/20, ao se referir ao Convênio 42/16, somente poderia autorizar o Executivo a tratar de redução de incentivo ou benefício fiscal em operações internas, ou seja, quaisquer decretos estaduais que venham a reduzir benefícios fiscais decorrentes de saídas interestaduais são ilegais.

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Luiz Silveira é advogado tributarista em São Paulo, sócio do escritório Luiz Silveira Sociedade de Advogados, consultor jurídico da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), ex-membro do Comitê de Assuntos Tributários da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE). , ex-coordenador do jurídico da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT) e especialista em Administração de Empresas e Administração Financeira pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).

 é advogado tributarista em São Paulo, associado do escritório Luiz Silveira Sociedade de Advogados, membro do Conselho de Assuntos Tributários da Fecomércio em São Paulo, ex-coordenador jurídico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, ex-membro da Comissão de Direito Tributário da OAB-SP e da Comissão de Assuntos Fiscais da CNI, pós-graduado com especialização em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional e em Gestão de Recursos Humanos.

Revista Consultor Jurídico, 24 de dezembro de 2020, 14h23

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Vigia municipal não tem direito a aposentadoria especial, diz TJ-SP

As funções desempenhadas no cargo de vigia não podem ser enquadradas como atividades que prejudiquem a saúde ou a integridade física. Com base nesse entendimento, a 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo negou pedido de aposentadoria especial de um servidor público municipal. 

Andriy PopovVigia de município não tem direito a aposentadoria especial, decide TJ-SP

O servidor afirmou que ocupa o cargo de vigia e, assim, faria jus à aposentadoria especial, nos termos do artigo 40, parágrafo 4º, da Constituição Federal, da Súmula Vinculante 33 e da Lei 8.213/91, por exercer atividades que ensejam riscos à sua integridade física. Em primeiro grau, o município de Bauru foi condenado a conceder a aposentadoria especial.

Ao TJ-SP, a prefeitura alegou que vigias só exercem atividades de fiscalização, inexistindo circunstâncias que possam prejudicar sua saúde ou que coloquem em risco a sua integridade física, de forma que os vigias não preencheriam os requisitos necessários para a concessão da aposentadoria especial.

O argumento foi acolhido, por unanimidade, pela turma julgadora. “As atividades desempenhadas pelo autor, ocupante do cargo de vigia consistem em ‘zelar pelo patrimônio público’ e ‘orientar e controlar o fluxo de pessoas’ e não são ‘prejudiciais à saúde ou à integridade física'”, afirmou a relatora, desembargadora Maria Laura Tavares.

A magistrada citou julgamento do Supremo Tribunal Federal em que se definiu que os guardas municipais exercem a função de proteção dos bens, serviços e instalações do município, inexistindo periculosidade inerente ao ofício que autorize a concessão de aposentadoria especial com fundamento no artigo 40, parágrafo 4º, inciso II, da Constituição Federal.

“Embora em tais julgados tenha sido analisada a situação dos guardas civis municipais, a ratio decidendi deve ser aplicada ao caso do autor, ocupante do cargo de vigia, já que as funções desempenhadas por ambos os cargos são bastante semelhantes e referem-se, precipuamente, à proteção do patrimônio público”, concluiu.

Processo 1010285-55.2019.8.26.0071

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Akutsu e Vieira: O absurdo teve vez em 2020 na Justiça Criminal

“Não há nada de tão absurdo que o hábito não torne aceitável”. A frase, escrita por Cícero há mais de 2 mil anos, por vezes parece ter sido concebida a partir de observações empíricas dos acontecimentos do Brasil. Em 2020, a área Criminal, mas não só ela, foi uma das mais movimentadas da Justiça, e desde o início do ano.

No período em que uma grave pandemia assolou o planeta com notícias diárias sobre infectados e mortos pela doença viral, por aqui vivenciamos verdadeira revolução digital ensaiada pelo Poder Judiciário brasileiro há tempos e implementada parcialmente em 2020. Há sempre uma perspectiva positiva mesmo em momentos tão difíceis como os que vivemos. Outras, nem tanto.

Quando a tal pandemia ainda era coisa dos noticiários e parecia estar longe de nos atingir, o jornalista americano Glenn Greenwald (junto com outras seis pessoas) foi denunciado por suposta participação no caso dos hackers que invadiram dispositivos de celulares de autoridades — notadamente aquelas relacionadas à operação “lava jato” — e divulgaram ao The Intercept Brasil o conteúdo das mensagens privadas.

À parte as nuances das mensagens trocadas por aquelas autoridades, com ampla demonstração de verdadeira parceria entre acusação e juiz, fato é que a tentativa de ver deflagrada ação penal em desfavor do jornalista que divulgou o material já parecia ser um indicativo de que o ano não seria fácil.

Aquela acusação, é preciso dizer, foi rejeitada no tocante ao jornalista já no início de fevereiro. De todo modo, a própria apresentação de peça acusatória em desfavor do profissional da imprensa, ainda que existentes sinais de “instigação” da parte dele à invasão, aparentava ser uma decisão menos Jurídica e mais política.

Ainda em janeiro, foi proferida decisão monocrática pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli — posteriormente chancelada também de forma monocrática pelo hoje presidente da Corte, ministro Luiz Fux — que simplesmente suspendeu a entrada em vigor das regras do juiz de garantias, uma das auspiciosas novidades trazidas pelo “pacote anticrime”.

A decisão é digna de crítica sob diversos aspectos, destacadamente pelo monocratismo e, ainda mais grave, pelo flagrante desrespeito à decisão do Congresso Nacional que inseriu tal instituto no ordenamento Jurídico brasileiro, sem falar no ritmo vagaroso para que a decisão liminar seja apreciada por órgão colegiado do STF, o que passados 11 meses ainda não ocorreu.

O mês de fevereiro foi marcado pela participação do mandatário da República em manifestações que propalavam ideias antidemocráticas, como o próprio fechamento do Congresso Nacional e da Suprema Corte. A inusitada situação de ver um cidadão eleito pelo povo defendendo ideias divorciadas da democracia certamente ficará registrada na história da República e é alvo de investigação perante o STF.

Com o aumento da contaminação da Covid-19 no Brasil, novo episódio político-jurídico foi analisado pelo STF. Diante das conflitantes manifestações de representantes do governo federal e de governos estaduais, o STF decidiu que Estados e municípios poderiam regulamentar medidas de isolamento social, fechamento de comércio e outras restrições, em contraponto ao que defendia a presidência da República, que argumentava que lhe caberia quais serviços deveriam ser mantidos ou não durante o período de quarentena.

A decisão — que claramente apontava como concorrente as competências dos diferentes entes — foi politicamente desvirtuada e por vezes divulgada como se a Suprema Corte tivesse concluído que a competência para tais providências seria exclusiva dos governos estaduais e municipais, o que efetivamente nunca foi dito.

Já durante o mês de abril foi que se deu a barulhenta saída do ex-juiz Sergio Moro do cargo de ministro da Justiça. Em entrevista dada à imprensa e divulgada ao vivo por diversos meios de comunicação, o ex-juiz, ex-ministro e agora ‘consultor’ afirmou que teria ocorrido tentativa de ingerência do presidente da República nas escolhas que caberiam ao ocupante da pasta, especificamente a escolha do superintendente da Polícia Federal. O interesse, veio a saber-se depois, tinha como ponto crucial a expectativa do mandatário em ser municiado de informações e relatórios elaborados por aquele órgão por meios não oficiais.

Após os primeiros desdobramentos do caso, foi instaurado inquérito policial (com trâmite perante o Supremo Tribunal Federal) para investigar as afirmações do ex-ministro. No mês de maio, ainda no bojo daquela investigação, o então decano do STF, ministro Celso de Mello, determinou o levantamento do sigilo da reunião ministerial em que teria se dado a noticiada ‘pressão’ para escolha do comando da Polícia Federal. À época, houve quem se disse estarrecido com o conteúdo do encontro e houve, ainda, quem dissesse que não havia qualquer anormalidade na conversa havida entre os presentes.

Ainda naquele mês de maio foi deflagrada a Operação Placebo, que investigou possíveis irregularidades na aquisição de insumos para o combate à pandemia. O governador do Rio de Janeiro foi alvo de medidas cautelares, que culminou com o seu afastamento do cargo — monocraticamente, de novo — em agosto. Embora a decisão tenha sido tomada por ministro do Superior Tribunal de Justiça de forma individual, é imprescindível relembrar que ela foi chancelada por aquele colegiado poucos dias depois.

No mês de junho deu-se a prisão de Fabrício Queiroz, apontado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro como um dos responsáveis pelo caso das rachadinhas (leia-se: pelo menos o crime de peculato) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. O caso envolve o filho do presidente da República, o senador Flávio Bolsonaro.

A prisão ganhou especial atenção da imprensa — e dos opositores do presidente — porque cumprida em imóvel pertencente ao até então advogado de Flávio Bolsonaro. Embora não houvesse qualquer irregularidade adicional pela prisão ter se dado no referido local, muito sobre isso se discutiu, notadamente a soltura do investigado, ocorrida três semanas depois em decisão — monocrática — proferida pelo então presidente do Superior Tribunal de Justiça.

Registro importante é que o mesmo pedido de soltura foi manejado por diferentes pessoas, que não tiveram a mesma benevolência do assecla presidencial, embora as situações de fato (coronavírus) e de Direito fossem semelhantes.

Ainda naquele mês de junho, o inquérito das Fake News, instaurado de ofício pelo STF em 2019, foi julgado constitucional pela maioria dos ministros da Corte. Concluíram, inclusive, ser legal a escolha de um dos membros do Supremo para presidência da investigação. Em outros dizeres, permitiu-se a desobediência à regra de distribuição livre que se espera de todo e qualquer caso.

Já no início do segundo semestre, os noticiários cobriram verdadeiro embate entre o procurador-geral da República Augusto Aras e membros da força-tarefa da “lava jato” em Curitiba/PR, com desavenças sobre o acesso e a guarda do material apreendido ao longo das inúmeras fases da operação no Paraná. Chegou-se a discutir qual representante do Ministério Público Federal seria “dono” do calhamaço de documentos probatórios em posse daquele órgão.

Foi notícia, ainda, a humilhação protagonizada por desembargador paulista em desfavor de guarda civil que repreendeu o cidadão por não utilizar máscara, conforme exigia decreto municipal. O magistrado foi afastado de suas funções pelo CNJ, mas segue recebendo sua remuneração mensal.

Em setembro, o então ministro Celso de Mello, ainda como decano da Suprema Corte, determinou que o depoimento do presidente da República no inquérito policial que investiga sua suposta interferência na Polícia Federal, se desse de forma presencial, não sendo possível sua manifestação escrita, tal como pretendia a Advocacia-Geral da União, em mais um episódio de evidente rusga entre os dois poderes.

Já em outubro, o noticiário foi tomado pela celeuma causada pela soltura de cidadão apontado como um dos líderes do PCC, a mais relevante facção criminosa do país. Em decisão monocrática, o ministro Marco Aurélio, do STF, determinou a soltura do traficante. Após o cumprimento da soltura, o presidente da Corte, Luiz Fux, revogou a decisão de seu par e determinou o imediato recolhimento do cidadão, que àquela altura já estava em outro país.

É imperioso citar que a decisão do ministro Fux se socorreu de previsões incabíveis em matéria penal e processual penal, malgrado tenha posteriormente sido levada ao plenário da Corte e confirmada por 9 votos a 1 ainda naquela mesma semana. À parte o acerto ou desacerto de uma ou outra decisão, é fundamental observar que, quando se quer, a decisão monocrática é rapidamente (re)avaliada por órgãos colegiados, a depender quase que exclusivamente da vontade da presidência da Corte.

Em novembro, o país parou para discutir o caso de uma blogueira, que teria sido vítima de crime sexual, e que ainda assim se viu ofendida diversas vezes em audiência judicial em que foi colhido o seu depoimento. Inúmeras foram as críticas, com razão, aos operadores do Direito presentes ao ato, que silenciaram quando o advogado do acusado fazia reprováveis afirmações sobre o seu passado e a sua postura.

Além das já referidas aqui, houve outras tantas decisões, de tribunais superiores ou não, que fizeram de 2020 um ano especialmente difícil. Mês a mês houve sempre pelo menos uma polêmica e, por vezes, verdadeiros absurdos jurídicos, a indicar que o ensinamento de Cícero ainda é assustadoramente atual. Oxalá nunca nos acostumemos com esses absurdos, para que não criemos o hábito de aceitá-los como coisa normal.

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Rejeitado recurso de Sara Winter para afastar ministro de processo

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, negou recurso da defesa de Sara Fernanda Giromini — conhecida como “Sara Winter” —, que buscava impedir que o ministro Alexandre de Moraes atuasse em procedimento investigativo contra ela. Fux manteve a determinação do então presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, que havia negado seguimento ao pedido.

Sara é acusada de injúria e ameaça ao ministro Alexandre de Moraes

Reprodução

Constava da decisão ser “público e notório” que o processo se deu logo após ela sofrer medidas processuais de busca e apreensão, em maio, quando divulgou críticas e ameaças ao ministro Alexandre de Moraes por vídeo postado em redes sociais — o que levou à denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República na Justiça Federal. Assim, foi considerado o parágrafo 2º do art. 144 do Código de Processo Civil, em que “é vedada a criação de fato superveniente a fim de caracterizar impedimento do juiz”.

Ao reafirmar o posicionamento da Presidência, Fux destacou que o artigo 280 do Regimento Interno estabelece que “o Presidente mandará arquivar a petição, se manifesta a sua improcedência”. Em caso semelhante, de pedido de suspeição contra o ministro Alexandre de Moraes, Fux seguiu a mesma linha, decretando também o trânsito em julgado da ação.

ADI 6.524

Em outra determinação, Fux confirmou entendimento anterior da Presidência que havia negado pedido do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) para que o ministro Alexandre de Moraes fosse declarado suspeito no julgamento da ADI 6.524, que tratava da reeleição da Mesa Diretora do Legislativo.

A decisão considerou que, na ADI 3.345, de relatoria do ministro Celso de Mello, o STF já decidiu que a discussão em abstrato em torno da constitucionalidade de normas jurídicas primárias, “porque realizada em controle sob perfil objetivo, não atrai, via de regra, os institutos do impedimento e da suspeição, próprios que são dos processos em que há defesa de interesses e posições”.

Por ocasião desse julgamento, o entendimento foi que ficou ressalvada a possibilidade de qualquer ministro do STF invocar razões de foro íntimo como fundamento legítimo, autorizador de seu afastamento e, consequentemente, não participação.

Nos três casos, o ministro ressaltou que não cabem mais recursos e decretou o trânsito em julgado das ações. Com informações da assessoria de Comunicação da Presidência do STF.

Leia as decisões:

Arguição de Impedimento 61

Arguição de Suspeição 99

Arguição de Suspeição 101

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Mantida decisão que obriga assistência a venezuelanos em Manaus

O presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Humberto Martins, indeferiu nesta quarta-feira (23/12) o pedido do município de Manaus para suspender decisão judicial que o obrigou a fornecer alimentação a todos os imigrantes e refugiados da Venezuela atendidos na capital do Amazonas.

Migrantes venezuelanos em Manaus devem ser assistidos pelo governo

Marcelo Camargo/Agencia Brasil 

Segundo o ministro, o município não comprovou que a determinação, sob pena de multa diária por eventual descumprimento, representaria grave lesão à economia pública.

“Registre-se que é indispensável para a comprovação de grave lesão à economia pública o demonstrativo analítico do colapso nas contas, ou seja, a possibilidade de o cumprimento imediato da decisão inviabilizar as funções estatais — dados que deixaram de ser expostos no presente pedido”, explicou Martins.

Instituída pelo governo federal em 2018 para receber com dignidade os migrantes e refugiados venezuelanos, a operação “acolhida” está baseada em três pilares: acolhimento, abrigamento e interiorização.

O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública para compelir o município, o estado do Amazonas e a União a fornecerem todas as refeições necessárias às pessoas migrantes e refugiadas atendidas pela estrutura montada na capital do Amazonas.

Após negativa na primeira instância, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região deferiu o pedido de antecipação de tutela para que os três entes públicos garantam as refeições, sob pena de multa diária de R$ 50 mil.

No pedido de suspensão dirigido ao STJ, a prefeitura de Manaus argumentou que a multa cominatória é muito alta e pode ocasionar prejuízos significativos à prestação dos serviços públicos municipais. Além disso, afirmou que a decisão não individualiza o que fica sob a responsabilidade de cada ente federado.

Obrigação solidária

Em sua decisão de indeferir a suspensão, o ministro Humberto Martins também levou em conta que a determinação judicial atingiu solidariamente os três entes públicos.

“A decisão proferida pela Justiça Federal não foi direcionada apenas ao município de Manaus, e sim abarcou igualmente o estado do Amazonas e a União, dado o caráter solidário da demanda, razão pela qual a exclusão de um dos entes do polo passivo desequilibrará o objetivo pelo qual o decisum foi constituído”, fundamentou o ministro.

Martins lembrou que o pedido de suspensão de liminar não é sucedâneo de recurso e não se presta ao exame do acerto ou desacerto jurídico da decisão atacada.

“Por essas razões, entendo que não ficou demonstrada a grave lesão à economia pública, razão pela qual indefiro o pedido de suspensão”, concluiu o presidente do STJ. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

SLS 2.862

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Associação denuncia ações que visam censurar a mídia independente

Em artigo publicado no blog do Juca Kfouri no UOL, a jornalista Lia Ribeiro Dias, com colaboração da jornalista Leda Beck, ambas filiadas à Associação Profissão Jornalista (APJor), denunciou uma situação que vem se tornando cada vez mais comum no Brasil: ações ajuizadas contra profissionais de imprensa, especialmente da mídia independente, como forma de censurá-los. É o que Lia chama de “assédio judicial”.

ReproduçãoAPJor diz que jornalista Luis Nassif é vítima de “assédio judicial” como forma de censura

“Por meio de ações judiciais na área cível, muitas apresentadas em até uma centena de foros diferentes por todo o país, inviabilizando a defesa, os reclamantes pedem vultosas indenizações por danos morais. Aparentemente mal informados sobre o princípio constitucional que garante a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, juízes de primeira instância têm acatado tais ações sem hesitar — e suas decisões são às vezes confirmadas por desembargadores”, disse a jornalista.

Lia destacou que os grandes veículos de comunicação possuem estrutura suficiente, e bons departamentos jurídicos, para enfrentar as ações judiciais. Os veículos menores, no entanto, podem ser “calados pelo ativismo judicial”. O caso mais recente citado no texto é o do jornalista Amaury Junior, condenado a sete anos de prisão por violação ao sigilo fiscal da filha do senador José Serra (PSDB).

Mas o caso que mais tem chamado atenção, conforme Lia, é o do jornalista Luis Nassif. Na semana passada, em tom de desabafo, ele afirmou estar “juridicamente marcado para morrer”. Isso porque a grande quantidade de ações ajuizadas contra ele tem gerado indenizações em valores elevados, além do bloqueio de contas pessoais e de sua empresa.

No texto, Lia Ribeiro Dantas também cita outros jornalistas que foram alvos de “assédio judicial”, como o próprio Juca Kfouri, processado uma centena de vezes por dirigentes da CBF; Lúcio Flávio Pinto, que teve que fechar o Jornal Pessoal; e Elvira Lobato, alvo de 111 processos por publicar uma reportagem sobre a Igreja Universal na Folha de S. Paulo, além dos sites The Intercept BrasilPonte Jornalismo

“Diferentemente dos profissionais que trabalham para grandes grupos empresariais de comunicação, os profissionais da mídia independente não têm respaldo financeiro para enfrentar o custo das ações, que envolve o pagamento de advogados (muitos defendem os jornalistas pro bono, ou seja, sem cobrar pelos seus serviços profissionais) e as despesas de viagem para participar das audiências (hoje as audiências presenciais estão suspensas por conta da pandemia)”, afirmou Lia. 

Ela também destacou dados da ONG Artigo 19, dedicada à defesa da liberdade de imprensa, sobre agressões a profissionais de imprensa em 2019 e no primeiro semestre deste ano: foram 38 casos de violação, sendo 32 ameaças de morte, quatro tentativas de assassinato e dois homicídios.

“Alvo de processos judiciais movidos por autoridades, igrejas e empresas, respaldados pelo ativismo político de certos juízes e desembargadores em defesa dos poderosos e seus interesses, Luís Nassif não é um caso isolado. Talvez seja o mais emblemático do momento em que vivemos, de falta de critério de juízes e de promotores, muitos contaminados pelo exemplo nefasto da “lava jato” e seu ativismo em causa própria”, concluiu a jornalista.

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Rabêlo e Bassin: Fomento à cultura: a busca por um equilíbrio

O debate acerca do papel do incentivo fiscal, em especial da Lei 8.313/91 na Política Pública de Cultura, não é de hoje. A centralização dos recursos no eixo Sul-Sudeste, a concentração dos beneficiários e apoiadores e a utilização dos mecanismos por quem já teria apoio no mercado são pontos sempre levantados contra a Lei Federal de Incentivo à Cultura, popularmente conhecida como Rouanet. Nessa discussão, no entanto, é costumeiro esquecer que o incentivo fiscal é apenas um dos três mecanismos previstos na norma.

A Lei 8.313/91, quando foi criada, instituiu o chamado Programa Nacional de Apoio a Cultura (Pronac), dentro do qual está prevista a coexistência não excludente de três diferentes mecanismos de fomento e financiamento de projetos culturais: o Fundo Nacional de Cultura (FNC), que prevê investimento direto de recursos públicos em iniciativas culturais, sem qualquer ingerência nem poder de decisão do interesse privado; o Fundo de Investimento Cultural e Artístico (Ficart), que consiste na comunhão de recursos destinados à aplicação em projetos culturais e artísticos de cunho comercial, com participação dos investidores nos eventuais lucros que, apesar de já regulamentado por decreto e pela CVM, carece de maiores incentivos fiscais para atrair instituições financeiras aptas a instituí-los; e, por fim, o Mecenato, mecanismo de incentivo fiscal pelo qual tal legislação é popularmente conhecida.

Através do Mecenato, pessoas físicas e jurídicas interessadas em financiar projetos culturais previamente aprovados podem descontar do seu imposto de renda a totalidade ou parte do recurso investido. Este percentual de abatimento varia de acordo com o segmento cultural contemplado no projeto em questão.

Mesmo com todas as medidas de democratização que vêm sendo regulamentadas e aperfeiçoadas ao longo de quase 30 anos de existência e aplicação dessa legislação, é fato inegável a influência do interesse privado na esfera do Mecenato, sendo esta, inclusive, umas de suas premissas conceituais, uma vez que é dada às empresas patrocinadoras a liberdade de escolher os projetos nos quais investirão seus recursos.

Já o Fundo Nacional de Cultura possui estratégia de aplicação de recursos diversa, sendo precipuamente voltado para a priorização de projetos em áreas artísticas e culturais com menos possibilidade de desenvolvimento com recursos próprios (artigo 4º, V). E é justamente a coexistência e o funcionamento regular desses diferentes mecanismos, a solução que vem sendo vislumbrada para o almejado equilíbrio do fomento à produção nacional da cultura.

Atualmente encontra-se a caminho da votação no Plenário da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 7.619/2017. Dentre as inúmeras proposições apresentadas, vale ressaltar a preocupação reiterada de desconcentração regional dos recursos e melhor distribuição entre as distintas manifestações culturais contempladas.

Nesse contexto, merece destaque a proposta pontual de alteração legislativa que determina a destinação ao FNC de 20% do valor captado para projetos incentivados pelo mecenato, acima de R$ 500 mil, com a consequente autorização para os respectivos proponentes captarem 20% acima do valor inicialmente autorizado.

Com as devidas ressalvas para o extenso debate da forma como será operacionalizada e regulamentada tal destinação (se caberá ao proponente a busca por essa captação extra ou se será o próprio órgão de fomento que demandará do próprio contribuinte a ampliação de seu aporte), sua simples proposição já representa um forte indício, já observado em diferentes legislações estaduais de incentivo, de estímulo conjunto e integrado dos sistemas de fomento direto e indireto atualmente disponibilizados aos produtores e contribuintes.

Outro ponto que merece ênfase, ainda na seara da busca pelo equilíbrio entre os três mecanismos do Pronac, é a sugestão de encaminhamento de propostas culturais de alto potencial lucrativo para financiamento prioritário junto ao Ficart, uma vez regulamentado e em funcionamento.

Com a devida ressalva do risco na conceituação subjetiva do que seriam “propostas culturais de alto potencial lucrativo” e o perigo de se criar uma triagem prévia ilegal dessas iniciativas, uma vez que a apreciação subjetiva das propostas é vedada pelo artigo 22 da norma; cabe aqui, mais uma vez, sinalizar a tendência, ainda mais notória, do uso combinado desses mecanismos.

Encerramos essa breve análise com a seguinte ilustração; imaginemos que o Programa Nacional de Apoio à Cultura é uma mesa na qual se apoiam todas as iniciativas culturais realizadas no país. Essa mesa tem como suporte um tripé, formado pelo Mecenato, pelo FNC e pelo Ficart.

O desequilíbrio entre esses três suportes gera o desequilíbrio de toda a estrutura. Como boa medida de ajuste, o que parece mais razoável? Derrubar um desses suportes ou promover o desenvolvimento equilibrado do tripé como um todo? É nesse ponto que reside o atual debate e desafio jurídico.

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MP-SP investe em tecnologia e inovação para aumentar a eficiência

*Reportagem publicada no Anuário do Ministério Público Brasil 2020, lançado no dia 14 de dezembro no canal da ConJur no YouTube. O Anuário está disponível gratuitamente na versão online e à venda na Livraria ConJur, em sua versão impressa

Espelho do Tribunal de Justiça de São Paulo, o maior do país, o Ministério Público de São Paulo é também a maior entidade ministerial. Supera em número de membros e em volume de processos judiciais o próprio Ministério Público Federal e praticamente dobra esses valores do segundo colocado entre os MPs estaduais. Numa instituição em que a independência de seus membros é uma das prerrogativas essenciais, essa grandeza torna um desafio a preservação da unidade.

“É como se fosse uma empresa que tem um presidente e 1.800 vice-presidentes”, exemplificou o procurador-geral de Justiça paulista, Mário Luiz Sarrubbo em evento on-line promovido pela TV ConJur. “Como construir doutrina, como unificar pensamentos respeitando a independência de cada um?”, pergunta ele e ele mesmo responde: “Temos de ter estratégia com resolutividade”. Segundo Sarrubbo, só se consegue uma estratégia com unidade de pensamento a partir de enunciados propostos e discutidos por toda coletividade do MP. 

Como exemplo, conta o caso da estratégia adotada para enfrentamento da epidemia do novo coronavírus. Um comitê foi criado um dia depois de sua posse na Procuradoria-Geral e era composto por procuradores dos diferentes setores do MP-SP, além de representantes em cada região administrativa do estado. A partir deste comitê, foram traçadas estratégias e unificadas as posições do MP para enfrentar a crise. “Colocamos no gabinete de crise médicos, cientistas e assistentes sociais para que pudéssemos atuar com parâmetros jurídicos e com embasamento científico.”

Um balanço da atuação do MP-SP na calamidade, em 20 agosto de 2020, quando o estado de São Paulo já registrava 735 mil casos de Covid-19 e 28 mil mortes pelo vírus, mostrava que já tinham sido feitos 3.415 procedimentos relativos à epidemia, desde 28 de fevereiro, dos quais 177 foram ações civis ajuizadas, 166 inquéritos civis, 594 notícias de fato, 56 inquéritos policias e 20 autos de prisão em flagrante. Em uma iniciativa de ação direta contra a epidemia, o MP-SP destinou aos fundos de saúde dos municípios e do estado os valores arrecadados com multas, acordos criminais e cíveis, termos de ajustamento de condutas. Até 20 de agosto de 2020, já tinham sido entregues R$ 75 milhões às prefeituras.

“Não podemos ter um MP analógico em uma sociedade digital”, costuma dizer o procurador-geral de Justiça de São Paulo. Por isso uma das apostas de sua gestão é o emprego intensivo de tecnologia e inovação para aumentar a eficiência do trabalho. Digitalização de processos e informatização de procedimentos, projetos de georreferenciamento da criminalidade e de alimentação de bancos de dados são algumas das propostas do MP-SP, assim como a implementação de inteligência artificial, num sistema próprio que permita a superação de dificuldades encontradas com o sistema utilizado no TJ de São Paulo, que o MP-SP também utiliza.

Foi criado o Sisap, o Sistema de Automação de Processos, que visa à diminuição de tarefas repetitivas e que deve gerar uma economia de R$ 70 milhões por ano, assim como o RH Digital, o novo Ponto Eletrônico e o e-Funcional, documento de identidade digital dos membros do Ministério Público.

Foi adotado o Sistema Eletrônico de Informações (SEI), usado para dar continuidade aos trabalhos do MP mesmo durante o período de isolamento imposto com a evolução da epidemia de Covid-19 e desenvolvido originalmente para o Tribunal Federal da 4ª Região. O programa ajuda na transição do papel para documentos digitais, o que facilita o teletrabalho e o compartilhamento de informações. Com o isolamento social forçado pela epidemia, o MP-SP acelerou no uso de videoconferências em âmbito estadual, para aumentar o alcance dos debates e a articulação entre diferentes áreas promovidos pelo órgão.

Outras novidades também incluem a implementação da computação em nuvem usando como base software da Microsoft, a aquisição de quatro mil novos computadores, instalação de mais de 800 estações de acoplamento com notebook e 4G para oferecer mobilidade às Promotorias de Justiça que solicitaram o serviço. Foram lançados o Portal da Comunicação, a intranet do MP-SP, e o Portal do Inativo, que atende aos membros aposentados do Ministério Público.

Houve também investimentos no aumento de velocidade da internet em todas as Promotorias e foi disponibilizado um programa para a conversão de áudio em texto, tecnologia que o Ministério Público credita a diminuição de horas de trabalhos gastas com transcrição de audiências.

Toda esta retaguarda de inteligência dá suporte às investigações, ações de prevenção e repressão da criminalidade desempenhadas pelo MP. Um dos principais recursos do Ministério Público em todas as esferas nos últimos anos são os grupos de atuação especial. Em São Paulo, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) tem tido atuação destacada, devendo permanecer como um dos pontos focais da atual administração, que se diz “entusiasta” do modelo atual.

O modelo está em discussão no Supremo Tribunal Federal. O ministro Alexandre de Moraes, que já foi secretário de Segurança Pública em São Paulo, defende o Gaeco em sua formatação atual e entende que ele é uma evolução aperfeiçoada das forças-tarefas. Já o ministro Ricardo Lewandowski teceu críticas à organização do Gaeco e das forças-tarefa, por ultrapassarem os limites constitucionais e extrapolar o controle dos órgãos hierárquicos, tanto do Ministério Público como das corporações policiais.

O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo, entende, por sua vez, que o modelo de grupos permite que sejam designados membros que possuem o perfil adequado à atividade de combate ao crime organizado e qualquer alteração em seu formato atual seria um retrocesso.

No quadriênio 2016-2020, de acordo com relatório publicado em fevereiro de 2020, o Gaeco conduziu 497 operações que levaram à prisão de 5.311 pessoas. A maioria (2.890 pessoas) era de supostos integrantes ou colaboradores da facção criminosa conhecida como PCC. Destas, 1.802 foram denunciadas pelo MP e 792 foram condenadas pela Justiça.

A facção criminosa, originada em São Paulo, é particularmente poderosa no estado, demandando uma atuação que, de acordo com o ex-PGJ, Gianpaolo Smanio, visava sufocar o lado financeiro da organização. Foram ações focadas em recuperação de bens e em interromper atividades de lavagem de dinheiro, com a apreensão de 101 toneladas de substâncias ilícitas, 887 armas de fogo, 20.623 munições, 1.557 veículos e 4.946 máquinas caça-níqueis, além de R$ 340 milhões resultantes de sonegação fiscal e fraude.

Em maio de 2019, o Gaeco coordenou uma operação com mais de 520 agentes, incluindo 485 membros da Polícia Militar, em 20 municípios paulistas para cumprir 50 mandados de prisão e 77 de busca e apreensão contra membros do PCC. 

Na área cível, de acordo com o MP Um Retrato, o MP-SP age principalmente no combate à improbidade administrativa, nos assuntos relativos à infância e juventude e em questões sobre a preservação do meio ambiente. Combinados, os três assuntos representam mais da metade dos processos pertencentes ao ranking com os dez temas mais frequentes e cerca de 40% de todos os inquéritos civis e notícias de fato instaurados em 2019.

Em ações visando a proteção de crianças e adolescentes, o Ministério Público é responsável pela fiscalização da atuação dos conselhos tutelares, para garantir o respeito do ECA e que conselheiros não usem de suas convicções pessoais para abusar de seus poderes. Da mesma forma, tem investigado grupos em redes sociais que criam redes de adoção ilegal de crianças. Com o monitoramento, o MP tenta detectar tentativas de compra e venda de crianças camufladas pela aproximação de casais e gestantes na internet nestes grupos.

Na área ambiental, o MP atuou em 2020 para preservar áreas verdes no estado e na Capital, ameaçadas tanto por atividade criminosa quanto por desígnios do estado. Atuando junto com o MPF, o MP-SP expediu recomendações aos agentes públicos ambientais do Estado e da União com atuação em São Paulo para que se abstivessem de aplicar despacho do Ministério do Meio Ambiente com interpretação da legislação ambiental considerada prejudicial ao bioma da Mata Atlântica. Diante da reação adversa, o despacho foi revogado.

Já em 2020, o MP-SP criou o seu Cira, o Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos. O novo grupo de atuação reúne estruturas do MP, da Secretaria da Fazenda estadual e da Procuradoria-Geral do Estado para combater a sonegação, reprimir a fraude fiscal e recuperar créditos do estado. De acordo com dados do MP, a dívida ativa estadual é de R$ 330 bilhões. Metade desses recursos constitui débitos de empresas em funcionamento, ou seja, são efetivamente recuperáveis.

Em matéria de improbidade administrativa, o MP-SP apresentou denúncia à Justiça Eleitoral por crimes de falsidade ideológica eleitoral, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A promotoria acusa Geraldo Alckmin de ter recebido mais de R$ 11 milhões da construtora Odebrecht nas campanhas ao governo de São Paulo em 2010 e em 2014. A denúncia foi aceita pela Justiça Eleitoral de São Paulo.

PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA

Mário Luiz Sarrubbo

Nascimento: Em 1963, em São Paulo

Formação: Bacharel em Direito pelo Mackenzie (1986); mestre pela PUC-SP (2001)

Ingresso no MP-SP: 1989

Mandato: 17/4/2020-17/4/2022

Atuava como subprocurador-geral de Políticas Criminais no MP-SP até se candidatar e ser escolhido para o cargo de procurador-geral de Justiça. Apoiado pelo antecessor, Gianpaolo Smanio, tomou posse em abril de 2020, em sessão virtual por conta do isolamento social imposto para a prevenção da propagação do coronavírus. Ficou em segundo lugar na eleição para o cargo, atrás de Antônio Carlos da Ponte, mas foi o escolhido pelo governador do estado, João Doria.

Como membro do Gaeco, promoveu a política da Tríplice Vertente no combate ao crime organizado, baseada na teoria de que o enfrentamento às organizações deve mirar nos pilares básicos do crime organizado, da lavagem de dinheiro e da corrupção de agentes públicos. Assumiu prometendo emprego de tecnologia e inovação para obter mais eficiência operacional do Ministério Público. Persegue também a modernização não apenas da instituição que comanda, mas de todo o sistema de Justiça.

“Devemos avançar cada vez mais em busca de um sistema de Justiça mais rápido. Não há maior frustração para a sociedade do que um processo que demore mais do que um ou dois anos para ser julgado”, afirmou em entrevista à ConJur, em 2020. Para isso, ele vê a necessidade de avançar nos meios alternativos de solução de conflitos e na reforma processual que determine o fim do processo em segunda instância. “Só casos excepcionalíssimos poderiam chegar ao STJ e ao STF”, diz.

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Ministro Gilmar Mendes recebe Prêmio José Bonifácio 2020

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, foi agraciado com o Prêmio José Bonifácio na categoria Direito. A premiação foi concedida por seu destaque no debate jurídico nacional na defesa das teses legalistas.

Ministro Gilmar Mendes foi escolhido por seu destaque no debate jurídico nacional

O prêmio é conferido pela Instituição José Bonifácio a pessoas físicas e jurídicas que tenham se destacado na defesa dos interesses nacionais, da democracia, do desenvolvimento social, da cultura, das artes e das ciências — valores e causas caros ao Instituto.

O homenageado recebe um busto do patriarca da Independência, uma medalha e um diploma —em razão da epidemia da Covid-19, a entrega será feita em cerimônia a ser marcada futuramente, em São Paulo.

Veja a lista de vencedores:

Direito – Gilmar Mendes

Personalidade Nacional – Pelé

Música – Martinho da Vila

Desenvolvimento – Josué Gomes da Silva

Ciência e Tecnologia – Rogério Cézar de Cerqueira Leite

Sindicalismo – João Carlos Gonçalves Juruna

Agropecuária – Roberto Rodrigues

Defesa Nacional – General Eduardo Villas Bôas

Memória Nacional – Jorge Caldeira

Direitos Sociais – Azelene Inácio Kaigang

Municipalismo – Almira Ribas Garms

Cultura – Alessandra Ribeiro

Literatura – Jorge Mautner

Política – Perpétua Almeida

Comunicação – Johnny Saad

Esporte – Formiga

Jornalismo – José Antônio Severo

Liderança Jovem – João Campos

Educação – Marcelo Knobel

Saúde – Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)

In memoriam Anísio Teixeira (1900-1971)